GALERIA
Entro na Galeria, vejo uma maçã vermelha no chão. Lembro-me do John Lennon a trincar uma igual, que era objeto artístico na exposição da sua futura mulher, Yoko Ono. Ao relembrar esta história rocambolesca penso que a maçã no chão só pode ser uma obra de arte e não me atrevo a questionar nem, muito menos, a mudá-la de sítio.
Uma rapariga amontoa maçãs vermelhas – iguais às que eu encontrei – e cria uma montanha com elas. Será ela a artista ou a curadora? Nem uma, nem outra, porque a mediadora, que conduz a visita, não lhe presta atenção. Mas o que estará a rapariga a fazer afinal?
Um rapaz tem uma régua e mede a distância entre ele e as obras de arte. Será ele o artista ou o curador? A mediadora, que continua a conduzir a visita, não lhe dá importância. Será que eu estava errada e ele é apenas um transeunte?
Ouço um som ténue. Recorda-me música de elevador.
O segurança aproxima-se da mediadora. Nesta exposição, pela especificidade das obras, não é adequada a presença de crianças, diz.
Saímos dali apressadamente.
sobre o espetáculo
Galeria traduz-se num projeto multidisciplinar que contempla, enquanto criação, a edição fonográfica (podcast), gráfica (booklet), cinematográfica (vídeo) e obrigatoriamente dramática (o espetáculo), sendo esta última o seu principal alicerce. A proposta dramatúrgica é trabalhada enquanto díptico: desafiar os dogmas e processos da instituição expositiva, enquanto elemento aparentemente estático da nossa sociedade e incitar o cidadão enquanto vetor da mudança e agente interveniente no espaço que habita. A dramaturgia foi construída in situ e suportada por dois pilares: as conversas tidas com o mediador cultural Bruno Marques, que fomentam a reflexão sobre o edifício museológico e a arte contemporânea; e as descobertas feitas através da troca de ideias com a equipa da Culturgest ligada às exposições, bem como a equipa de segurança da CGD. Estes materiais de investigação, assim como as conversas com especialistas e as intervenções da equipa artística serão disponibilizados a todos estes intervenientes nos formatos mencionado - para permitir a máxima disseminação dos resultados deste processo e fruição do objeto artístico por parte do público.
dispositivo
Esta visita desenrola-se em duas partes. A primeira apresenta, aparentemente, o espaço expositivo tal como ele é. Este aparentemente é fundamental, uma vez que, desde o início, são performadas ações visuais e sonoras a decorrer em simultâneo com a visita. Elas fazem parte da exposição, ou não? O público não sabe. As ações incrementam-se no decorrer da visita, dando pistas ao visitante de outras possibilidades para habitar aquele espaço. Funcionam, deste modo, como elementos propiciadores da reflexão acerca do que é uma obra de arte, bem como sobre os agentes que monitorizam uma galeria e, ainda, respeitante aos próprios visitantes. A criação do onírico num espaço institucional, como é uma galeria de arte, aparece como um mecanismo liminar para amplificar os binómios realidade vs ficção e político vs apolítico. Ao mesmo tempo, transporta o público para um tempo-espaço imagético que incentiva uma reflexão sobre espaços utópicos.
©Jorge Albuquerque
influências
Apresenta-se seguidamente referências para o projeto. Em A 21st Century Ritual, de Isabel Lewis, o espaço museológico é contaminado por elementos que apelam aos vários sentidos e o espectador é convidado a usufruir desse habitat. Em Escritório para uma democracia direta, de Joseph Beuys, um exercício democrático põe público e intérpretes em diálogo para a transformação do mundo que os rodeia. Em Untilled, de Pierre Huyghe, o artista apropria-se de um espaço natural, acrescentando-lhe elementos como várias espécies de plantas e o deambular de um cão com uma pata cor de rosa, num ecossistema que mantém o espectador na permanente dúvida acerca da distinção entre realidade e ficção. Em Tatlin’s Whisper, de Tania Bruguera, a artista imiscui-se nos protocolos de segurança da TATE e propõe aos seus visitantes um exercício de simulação, dentro do museu, de seis táticas policiais de controlo de multidões. Todos propõem novas formas de ocupação do espaço museológico, ora criando utopias, ora desvendando distopias. Há uma transição desde o realismo expectável de alguém que está a fazer uma visita guiada até ao onírico criado pela singularidade de objetos, ações e ambientes sonoros extemporâneos. Este movimento é feito gradualmente e, uma vez chegados à catarse - público e intérpretes - refletem sobre este espaço. Como o vislumbram? E como gostariam que fosse? Segundo Gonçalo M. Tavares, duas perguntas basilares quando pensamos sobre o conceito de utopia. Em certo sentido, invertemos os papéis e deixamos a curadoria a cargo de quem, por norma, nunca a tem - o visitante.
referências
sobre público
.A sociedade do espectáculo de Guy Debord
.A Utopia de Thomas Morus
.Corpo e Imagem de José Bragança de Miranda
.Homo Spectator de Marie-José Mondzain
.Sobre a utopia, alguns apontamentos, crónica de Gonçalo M. Tavares in Público
.Técnicas do Observador de Jonathan Crary
sobre obras de arte
.Empty Stages, Crowded flats - Performativity as Curatorial Strategy, a house on fire publication, de Florian Malzacher e Joanna Warsza
.Gilgamesh o del origen del arte de Marcelo G. Burello
.Joined Forces: Audience Participation in Theatre, a house on fire publication, de Anna R. Burzynska
sobre o espaço museológico
.Transforming exhibithion formats in transforming societies de Dorothea Van Hantelmann
.Serpentine Gallery, curadoria de Hans Ulrich Obrist
.A 21 st century ritual de Isabel Lewis
.Escritório para uma democracia direta de Josef Beuys
.Untilled de Pierre Huyghe
.Tatlin’s Whisper e conceito de Artivismo de Tania Bruguera
podcast
O processo de criação da Galeria foi acompanhada de um podcast com 4 episódios que estimularam e alimentaram o nosso pensamento. Podem acompanhar esses episódios nas plataformas habituais: Soundcloud, ApplePodcasts e Spotify.
percurso
Estreia
Galerias da Fundação Culturgest
30 de Novembro a 10 de Dezembro
CGD - Fundação Culturgest, Lisboa
ficha técnica e artística
6ª criação
direção artística e dramaturgia Teresa Vaz
assistência de direção artística e dramaturgia Miguel Ponte
criação e interpretação Afonso Viriato, Joana Campelo, Mariana Barros, Sofia Freitas Abreu e Teresa Vaz
podcast Helena Caldeira e Jorge Albuquerque
curadoria teórica Bruno Marques
figurinos Isabel Brissos
espaço cénico Tainah Ramos e Yago Barbosa
espaço sonoro Miguel Sobral Curado
produção Diana Almeida
assessoria de comunicação Helena Marteleira
design gráfico Sérgio Condeço
vídeo droid.ID
fotografia Jorge Albuquerque
tesouraria e contabilidade Francisco Pisco
agradecimentos David Erlich, João Belo, Sílvio Vieira
coprodução Fundação CGD Culturgest
apoio República Portuguesa - Ministério da Cultura, Biblioteca de Marvila, Largo Residências
M/6
90min