nós somos as netas de todas as bruxas que vocês não conseguiram queimar

Fotografia de Bruno Simão

A multidão reúne-se para o evento habitual. A figura é arrastada e a massa, em êxtase, vocifera injúrias, arremessa objetos e, em catarse, expurga a sua ira. O carrasco cumpre a sua função, o corpo incendeia-se, afoga-se, enforca-se, envenena-se e a plateia está em ovação. A última mulher a ser sentenciada por bruxaria na Europa morreu em 1782, na Suíça.

Quarenta a cinquenta mil mulheres foram mortas durante o período da caça às bruxas. As mais fustigadas eram, por um lado, idosas ou viúvas que, sem recursos, recorriam à mendicidade, e, por outro, mulheres que tinham conhecimentos audazes para a condição feminina, como ervas contracetivas e abortivas, bem como, camponesas que lutavam pelo direito à sua terra. Estas mulheres, que diferiam do padrão de feminilidade vigente, eram uma ameaça ao poder e tinham que ser aniquiladas. 
Recorrendo ao arquivo vivo dos vários corpos femininos e à implicação dos mesmos na sociedade atual, num olhar comparativo com o maior femicídio da História Ocidental - a caça às bruxas - aproveitamos para mover placas tectónicas significacionais: O que é ser bruxa? O que é ser mulher? Ao mesmo tempo refletiremos sobre o significado que o conceito bruxa ganhou a partir das lutas feministas dos anos sessenta e do seu reflorescimento atual. Partindo dos registos históricos investigaremos a identidade das vítimas da caça às bruxas em Portugal para, através do seu reconhecimento, reivindicar o seu lugar na História.

Fotografia de Bruno Simão

contextualização

Nós somos as netas de todas as bruxas que vocês não conseguiram queimar – frase declarativa iniciada com o poder mobilizador da primeira pessoa do plural – surge, pela primeira vez, no romance "The Witches of BlackBrook" (2015), de Tish Thawer. A frase passou a ser um mote global usado por ativistas para relembrar a perseguição de mulheres e a dominação dos seus corpos pela sociedade patriarcal. 

A importância de pensar esta temática prende-se com a referência ao livro “Calibã e a Bruxa” da filósofa Silvia Federici. Na obra, Federici despe o conceito de bruxa da simplificação que o reduz à sua vertente mística, politizando-o: as bruxas eram mulheres que não correspondiam aos padrões da época e, atreve-se mesmo a dizer que estas mulheres não eram bruxas, o epíteto que lhes foi dado serve apenas para justificar a sua perseguição e subsequente morte. 

No “Malleus Malleficarum”, obra de 1486 que se constituiu como o manual da caça às bruxas, lê-se: “quando uma mulher pensa sozinha, pensa o mal”. Este projeto parte do pressuposto de que esse mal que a mulher sozinha pensa mais não é que a liberdade; sempre um mal evitado por quem oprime e um bem procurado por quem se emancipa.

Podemos, à luz da contemporaneidade, traçar um paralelo com o conceito de bruxa e as lutas feministas, onde, por todo o mundo, mulheres continuam a ser perseguidas e mortas.

Assim, no decorrer do trabalho artístico a que nos propomos, queremos investigar teórica e corporalmente que significado evocamos quando usamos o significante bruxa. Que relação com o outro e com a natureza? Que relação com a cura e a sexualidade? Que relação com as noções de alternativa e transformação? Este será, também, um caminho de desocultação: qual a dimensão da caça às bruxas em Portugal? Que cenários de Lisboa serviram de pano de fundo à caça das bruxas?

Na articulação do geral com o particular, no cruzamento da tendência global com a vivência pessoal, almejamos também descortinar a identidade das vítimas da caça às bruxas no nosso país e, em cima do palco, dar forma a esta dor que também é luta.

Fotografia de Bruno Simão

ficha técnica e artística

10ª criação

 

Conceito, direção artística e dramaturgia| Teresa V. Vaz

Criação e interpretação | António Bollaño, Francisca Neves,  Joana Petiz, Lia Vohlgemuth

Dispositivo cénico e figurinos | Bestiário

Instalação sonora | Filipe Baptista

Instalação plástica | Daniela Cardante

Curadoria e assessoria teórica | Vânia Moreira

Direção de Produção | Manuela Morais

Assessoria de comunicação | Helena Marteleira

Vídeo | Droid.ID

Fotografia | Bruno Simão

Coprodução | Festival Temps d’Images, Teatro Cine Gouveia, Teatro José Lúcio da Silva

Residências | A Oficina - Teatro Oficina Guimarães

Apoios financeiros | Câmara Municipal de Lisboa, DGARTES – Direção-Geral das Artes

Apoios | Pólo Cultural das Gaivotas

Media Partners  | Coffeepaste, Gerador

Agradecimentos |Afonso Viriato, David Erlich, Carolina Franco, Carolina Serrão e Cátia Faísco, Helena Caldeira, Miguel Ponte

Fotografia de Bruno Simão

percurso

 

Estreia — integrada no Festival Temps d’Images

24 e 25 de Outubro de 2024, Lisboa

Teatro Cine de Gouveia

3 a 8 de Novembro de 2024

Datas por confirmar: Teatro José Lúcio da Silva, Leiria

Residências Artísticas
A Oficina - Teatro Oficina Guimarães
20 a 27 de Julho de 2024

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